As lembranças que o "álcool" traz

Vou começar este texto como fiz com o primeiro que escrevi em 2012 – Voa Canarinho, Voa... - e  que me levou a acreditar que, talvez, eu soubesse escrever fora dos padrões de um texto jornalístico. Depois do “Voa...” que foi publicado no blog "A Pelada como ela é", de meu colega Sérgio Pugliese, no Jornal O Globo (edição de 02/10/2012, eu acho)  vieram muitos outros textos – bons, ruins, muito bons, sem graça ...- mas que, de alguma forma, me fizeram feliz. Nos últimos tempos, porém, por força das circunstâncias, do momento político, da pandemia, meus textos tiveram quase sempre a decepção, a dor, o absurdo e a insensatez de tantas pessoas, que têm o poder de afetar a vida de milhões de outras neste mundo, como tema.  Chegou uma hora em que a fonte secou. Parei de escrever, não me interessava, não conseguia mais. Hoje, no entanto, me deu vontade de retomar a escrita da primeira leva, a que me deixava feliz e espantava meus fantasmas! Os contos de fada não começam sempre com o “Era uma vez...? “Então, bora escrever” como no meu primeiro voo livre na escrita! 


Quando eu era pequena, lá em Barra Mansa, eu e meus quatro irmãos estudávamos no Grupo Escolar Barão de Aiuruoca.  Apesar da fama de que todos que estudavam lá, “entravam burros e saíam minhocas”, o ensino era  muito bom. Obviamente, isto foi no século passado, há mais de 50 anos, quando o ensino fundamental público em nosso país ainda era de primeira categoria. À época minha mãe e minha tia Mirtes (irmã dela) trabalhavam na escola - de onde eu trago poucas mas boas  lembranças. Nunca tive memória privilegiada, dons de meus irmãos Fábio e Ângela. Não tenho certeza, nem mesmo, se as duas trabalharam no mesmo período no Grupo – minha mãe na secretaria e minha tia como professora, se não me engano. O que lembro, claramente, como disse acima, é do bordão das crianças: “Grupo Escolar Barão de Aiuruoca, entra burro e sai minhoca!”




Lembro do vendedor de algodão doce que ficava no portão da escola, diariamente, com sua carrocinha mágica de fazer o doce na hora, aquele açúcar quentinho, que recebíamos num guardanapo vagabundinho, mas que deixava o céu de nossas bocas estrelado de tanta leveza e doçura. Lembro do Toddy quente também, que era servido como merenda escolar. Com uma concha grande, a merendeira da escola tirava de um panelão enorme, destes de exército, o chocolate - que até hoje sinto o sabor – e servia às crianças que, em fila, carregavam suas canecas.   


Esse Toddy me trouxe outras lembranças daquela época. Morávamos na mesma rua do Grupo, num pequeno apartamento de fundos, à beira da linha do trem, que ainda corta a cidade. Já minha tia Mirtes morava numa casa grande, de dois andares, com salão e, ao fundo dele, uma escada de degraus de mármores preto e branco intercalados e corrimão dourado, que levava aos quartos de dormir. Na copa, no primeiro andar, havia uma mesa redonda, de fórmica marrom, com uma grande bandeja giratória, para que todos se servissem sem incomodar a ninguém. A mesa contava ainda com gavetas, à frente de cada cadeira, para guardar os guardanapos de todos da família, em envelopes de tecido e com os respectivos nomes bordados. Só lá eu e meus irmão tínhamos o luxo de beber Nescau, comer biscoito cream cracker e  maçã!! Em nossa casa, de dois quartos, o café diário era pão com manteiga e café com leite. 


Ah, voltando ao Grupo Escolar, lembro também que sempre fazíamos redações sobre nossas últimas férias e sobre nosso último aniversário (Quem nunca?). E era este o tema que pretendia escrever hoje, aqui - o meu último e inesquecível aniversário. Mas acho que o cheiro de álcool do mimeógrafo que minha tia Mirtes tinha para fazer as apostilas do grupo (sempre a ajudávamos a fazer), que sinto diariamente agora, por causa da pandemia, acabou me levando de volta ao período em que aprendi a escrever. Foi, com certeza, um período feliz da minha vida. Mesmo com todas as diferenças que, apesar de eu ser ainda muito pequena, já percebia existir 


Deixo, portanto, o tema que seria abordado hoje, para um outro dia! Mas antes de terminar,  uma pergunta: será que algum de vocês que estão lendo agora este texto, teria um mimeógrafo para me emprestar? Assim eu poderei imprimir meu primeiro livro de crônicas, já esterilizado para ser manuseado!



  

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