"Blue eyes”
Foram quase 40 anos de convivência. No começo eu estranhava tudo: a diferença gritante de temperamento entre as pessoas da família – uns mais reservados, outros muito comunicativos - a comida, a língua, os costumes. Mas, aos poucos, fui me adaptando e percebendo que tudo – e todos, na verdade - giravam ao redor dela. Sem nenhuma demonstração de poder ou “autoritarismo”, ela dominava naturalmente o ambiente – era a verdadeira, “Dona do Pedaço”! Não só por ser a verdadeira mãe judia, ou por ser a mulher mais talentosa para fazer bolos, tortas, pães, biscoitos, sorvetes, pastas de fígado e beringela (inesquecíveis) e todas as comidas da cozinha judaica, mas por ser a personificação legítima de seu nome, cuja origem é o Latim – Augusta! Augusta significa majestosa, nobre, glorificada.
Eu e Augusta, em minha casa |
Acho que não só eu, mas creio que todos sabiam que naquela
pequena família de cinco pessoas - que já tinha dois agregados e dois
descendentes - e da qual eu começava a fazer parte, ela era o centro de tudo.
Uma família formada na década de 1950, com a união de um imigrante polonês, sobrevivente
do Holocausto, que com menos de duas décadas de vida havia se tornado um dos
principais líderes da resistência nas florestas polonesas (Partisans https://www.arqshoah.com/images/imagens/sobreviventes-testemunhos/GRYNSZPAN_Yehiel_Chil.pdf)
/ e de uma auxiliar de enfermagem de Nilópolis, de lindos e inesquecíveis olhos
azuis! Desta união nasceram Célia, Mário e Walter.
Quando os netos vieram, ela costurou fraldas de algodão da antiga fábrica de tecidos Nova América, fez mantas de crochet e de fustão e passou a ser a responsável pelos bolos de cada aniversário! Ninguém admitia festa sem bolo da Vó Augusta! Anos mais tarde, quando já não conseguia mais fazer crochet, e eu demonstrei que sabia fazer um pouquinho, me presenteou com várias revistas japonesas antigas, que guardava como um tesouro, há décadas e que guardo até hoje, da mesma forma. Também me ensinou a fazer sorvete, bolo de chocolate, pavê, burrecas ... mas eu sei que jamais serão os mesmos, por mais que eu tente.
Paula e Gabriela, as duas netas e Vó Augusta, em dia de festa. |
Enfim, estas são apenas algumas das doces lembranças que guardarei
para sempre de minha “sogrita” Augusta. Ontem, 28 de novembro, completou um mês
que ela nos deixou. Confesso que a “ficha” não caiu ainda. Ficamos afastadas
nos últimos meses, em função da pandemia, o que me faz, muitas vezes, esquecer
que, infelizmente, não a verei novamente. Perdemos a Vó Augusta, que por tantas vezes
demonstrou ser uma guerreira forte, de forma suave. Ela se foi rapidamente, sem
estender o sofrimento dela, ou dos que a amavam. Partiu deixando só as boas
lembranças. Acredito que quando ela se foi, de forma tão suave, sem grandes
choques, pensou no que nos dizia quando ela mesma gostava de algum prato que havia
feito – “gente, hoje eu me superei! Superei a mim mesma!”
Que daqui para frente seja sempre doce, como você gostava, Vó
Augusta!
Saquarema, 29 de novembro de 2020.
Linda história de vida. Mariza, compartilha as receitas de D. Augusta com a gente. Interessadíssima na burreca! Grande abraço.
ResponderExcluirKatia Costa, vou selecionar as receitas, ok? Ela não era do tipo que fazia segredo, adorava ensinar, compartilhar suas delícias! Grande beijo!
ExcluirMaria Helena Pelegrineti Lourenço
ResponderExcluirEla merece todas as homenagens! Presença alegre e foi uma uma ótima contadora de causos....Boa martenester....Boa amiga!