Recaída

Foto: Orlando Brito

Meus colegas jornalistas que me perdoem mas vou, neste texto, quebrar algumas regras de ouro de nossa profissão. Vou me dar o direito de escrever sem apurar todos os fatos. Mais: vou me arriscar a escrever sem ouvir as fontes e principalmente não irei me ater aos fatos que já conheço. Vou, abertamente, expressar o que penso. Vou me expor. Vou confessar algo que servirá para muitos me condenarem. Espero, no entanto, conseguir diminuir minha pena ao 'dar a minha cara a tapa'!

Não, não tenho nenhuma acusação a fazer, não tenho provas contra ninguém. Apenas confesso: há vários meses abandonei a leitura dos jornais! Deixei de ver os noticiários. Sequer ligo a televisão. Claro que sei, por alto (pecado dos pecados para um jornalista!), o que vem acontecendo em nosso país. Aliás, acho que foi exatamente esta forte ebulição política - e o choque ao reconhecer os primeiros indiciados da Lava-jato, aos quais fui subordinada à época em que trabalhei na Petrobras - que me fizeram tomar a decisão de abandonar em definitivo o "backstage", a coxia, local onde devem ficar os jornalistas que acompanham os fatos apresentados no "palco". Ao contrário do que muitos pensam, lugar de jornalista é sempre fora da cena, atrás do palco. Jornalista não é artista, apesar de muitos colegas, principalmente de TV, serem confundidos com celebridades. Mas esta não é a pauta de hoje.

A bem da verdade, minha ligação com o jornalismo, há tempos, tem sido somente de lembranças. Optei, então, por cortar o elo 'sentimental' que ainda existia com o jornalismo e devo admitir: me senti livre ao me afastar o máximo que pude desses holofotes. Mas não consegui escapar da recaída! Apesar de ter decidido me tornar uma pessoa, digamos assim, quase "alienada", a vontade de escrever falou mais alto e me puxou de volta para as teclas do computador. Ao encará-las constatei: minha capacidade de discernimento ainda é a mesma. Às vésperas de completar mais um aniversário continuo, como há muitos anos, indignada com a situação de nosso país. Há tempos carrego este sentimento de indignação e sofro ao constatar como realmente somos um país sem memória.

Bem, é hora de frisar que nunca fui uma pessoa muito politizada, não tenho partido político e, definitivamente, não visto a camisa de nenhum político. Não estou aqui defendendo ninguém.Também é bom esclarecer que não saí às ruas para protestar contra o aumento das passagens, há três anos ( http://finaventura.blogspot.com.br/2013/06/quebrando-o-silencio.html ), que não vesti verde e amarelo para qualquer outra manifestação "pacífica e apartidária" , como tem sido classificadas por inúmeros veículos, que tenha rolado de lá pra cá. Simplesmente por não compartilhar da mesma opinião da imensa parcela da população que tem participado de tais atos. Não compartilho porque, mesmo que devorasse diariamente todos os jornais, mesmo que ligasse rádios, tevês e acessasse os jornais digitais pressionando a tecla F5 pra atualizar as edições a todo o momento - como fiz à época do Mensalão - não teria como acreditar em todo o mar de lama que tem sido despejado diariamente pelos políticos e empresários, corruptos e corruptíveis - não necessariamente nesta ordem - em nosso país, em nossas casas, por meio de tantas "delações premiadas".Obviamente, um prato cheio para qualquer mídia.

O que todos tem acompanhado a cada dia é o aumento do número de "possíveis responsáveis" pela sujeira que foi muito bem varrida para debaixo do tapete por décadas e décadas em nosso Brasil, sob os nossos narizes. Ou você realmente acredita que a corrupção, o desmando, a roubalheira, a falta de escrúpulo, o enriquecimento ilícito, a chantagem, o toma lá, dá cá, começaram há menos de 20 anos em nosso país? Pessoalmente acredito que muitos estejam sendo acusados levianamente, pois poucas provas materiais foram apresentadas até agora. A meu ver, são a bola da vez! Afinal, os delatores podem estar abusando das denúncias para tirar o "holofote" de suas cabeças´, livrar o próprio pescoço da forca. É ou não o que propõe a 'delação premiada'?

Por estes motivos, não consigo entender como tanta gente se sinta no direito de condenar publicamente muitos dos que estão sendo delatados. Volto a frisar: não estou defendendo este ou aquele envolvido, não estou afirmando que sejam inocentes. Cresci muito próxima à Justiça e um ensinamento que jamais esqueci foi: "in dubio, pro reo" (em dúvida, a favor do acusado). Aliás, a Justiça que trago em minha memória de infância e do período em que trabalhei como repórter setorista no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, para o Jornal do Brasil e para O Globo, é bem diferente da que temos visto hoje. Guardo a lembrança de um Poder cujos membros prezavam bem mais pela discrição e buscavam se manter longe dos holofotes. Me causa no mínimo estranheza o nascimento de mais um herói neste país e a crença de que, agora sim, teremos um salvador da pátria. Não é este o erro que muitos apontam que os brasileiros sempre cometeram, acreditar em salvadores da pátria?

Portanto, eu não consigo acreditar, somente com o disse-me-disse de tantas delações premiadas, que os "supostos" envolvidos nesta sujeira toda venham compartilhando a mesma "cama de gato" há tanto tempo. Pelos depoimentos, é muita gente envolvida! Como, ao longo de tanto tempo, nenhuma dessas pessoas optou por parar este trem descarrilhado e dar um choque de decência em nossa classe política? Será que a música esteve sempre certa: "se ligar pega ladrão, não fica um meu irmão..."

Me sinto triste, muito triste ao ver as multidões nas ruas. Não consigo achar qualquer manifestação recente bonita. Porque elas estão carregadas de ódio, não de esperança, como foi a marcha pelas Diretas Já! Porque elas não trazem qualquer saída para nosso Brasil. Apenas vemos uma massa verde e amarela pedindo a expulsão da 'presidenta', que foi escolhida legitimamente, por meio dos votos de milhares dos que hoje participam dos movimentos a favor do impeachment. Se ela está certa ou errada? Se pode ser condenada antes de qualquer prova material? Não sei, infelizmente. Com certeza, ao longo de todos estes anos, houve erros e acertos. Mas agora só tenho a certeza que não temos um piloto automático. E que a emenda pode ser bem pior que o soneto com que sonhamos!

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Dores

Simples

Nêga, está online? Sete, seis, cinco....